A recente cessão de veículos pela montadora chinesa BYD a órgãos de Estado – incluindo a Presidência da República, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), a Câmara dos Deputados e o Tribunal de Contas da União (TCU) – suscita, à primeira vista, dúvidas sobre possível conflito de interesses. Mas o aspecto mais preocupante não é a suposta vantagem econômica ou o remoto favorecimento judicial à empresa, mas sim o potencial risco de violação de dados sensíveis das maiores autoridades do país, em razão das tecnologias embarcadas nesses automóveis.
Como demonstrado em estudo internacional, elaborado pela Mozilla Foundation, que avaliou o desempenho de 25 grandes marcas de automóveis no quesito de proteção de dados, todo o setor apresenta falhas graves de privacidade e segurança. Os principais achados da pesquisa revelam que: (i) 100% das montadoras analisadas coletam mais dados do que o necessário para a simples operação dos veículos, incluindo informações como histórico de localização, interações por voz e até aspectos de saúde; (ii) 84% das empresas compartilham ou vendem os dados obtidos a terceiros, sem transparência adequada ao usuário; (iii) 92% não oferecem qualquer controle efetivo para que o condutor ou passageiro possa deletar seus dados; e (iv) nenhuma das marcas avaliadas cumpre plenamente padrões mínimos de segurança, como criptografia de todas as informações coletadas.
Enquanto a China protege suas instituições com barreiras rigorosas, o Estado brasileiro parece caminhar na direção oposta, ao permitir que veículos de uma montadora chinesa, BYD, sejam utilizados por algumas das autoridades mais relevantes do país, sem maiores cautelas no que se refere aos padrões de cibersegurança
No contexto brasileiro, esses riscos se agravam quando automóveis de alta conectividade – como os da BYD – são disponibilizados às autoridades envolvidas com as informações mais estratégicas e sensíveis da nação. Além de captar voz e armazenar conversas que podem envolver segredos de Estado, esses veículos realizam monitoramento permanente de localização por GPS, expondo rotas e agendas de pessoas que ocupam postos-chave nas esferas governamental e judiciária. Se as empresas automobilísticas – ou mesmo terceiros interessados – tiverem acesso a esses dados sem controle ou supervisão suficientes, abre-se um flanco grave para espionagem, venda de informações ou uso indevido em larga escala.
Fonte: Gazeta do Povo